domingo, 5 de janeiro de 2014

Cantiga da Ribeirinha

Cantiga da Ribeirinha, 

de Paio Soares dos Taveirós*
Obs.: A cantiga a seguir foi escrita no português medieval. Os versos em itálico são uma tradução para o português moderno. 
No mundo nom me sei parelha,
     No mundo não conheço outro como eu,
mentre me for como me vai,
     enquanto me acontecer como me acontece:
ca ja moiro por vós e ai!
     porque já morro por vós, e ai!,
mia senhor branca e vermelha,
    minha senhora branca e vermelha,
queredes que vos retraia
    quereis que vos censure
quando vos eu vi em saia.
    quando vos eu vi em saia? (em corpo bem feito)
Mao dia que me levantei
    Mau dia me levantei
que vos enton nom vi fez!
    que vos então não vi feia!


E, mia senhor, des aquelha
    E, minha senhora, desde então,
me foi a mi mui mal di'ai!
    passei muitos maus dias, ai!
E vós, filha de dom Paai
    E vós, filha de D. Paio
Moniz, e bem vos semelha
    Moniz, parece-vos bem
d'aver eu por vós guarvaia,
    ter eu de vós uma garvaia? (manto)
pois eu, mia senhor, d'alfaia
    Pois eu, minha senhora, de presente
nunca de vós ouve nem ei
    nunca de vós tive nem tenho
valia d'ua correa.
    nem a mais pequenina coisa.

*Paio Soares Taveirós (século XII), poeta português do Trovadorismo.

**Essa cantiga foi considerada por muito tempo como o mais antigo texto escrito em galego-português, cerca de 1189 ou 1198. Seu significado é incerto, mas uma explicação plausível sugere que ela teria sido inspirada por D. Maria Pais Ribeiro, a Ribeirinha, mulher muito cobiçada e que se tornou amante de D. Sancho, o segundo rei de Portugal. Tal hipótese, porém, é discutível: primeiro, havia várias personalidades chamadas Pai Moniz, ou Paio Moniz, na época; segundo, a origem galega de Paio Soares. O poema também é conhecido como Cantiga de Guarvaia.

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Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me Embora pra Pasárgada, 
de Manuel Bandeira*


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

*Manuel Bandeira (1866-1968), poeta brasileiro do Modernismo (Geração de 22).

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Mar Português

Mar Português, de Fernando Pessoa*



Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

*Fernando Pessoa (1885-1935), poeta português do Modernismo (Geração Orfeu)

**Imagem: "A última nau do Mar Português" (1994), do pintor português Carlos Alberto Santos.
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Canção do Exílio

Canção do Exílio, 
de Gonçalves Dias*

Kennst du das Land, wo die Citronen blühen,
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühen?
Kennst du es wohl? — Dahin, dahin!
Möchtl ich... ziehen.**
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem que ainda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

*Gonçalves Dias (1823-1864), poeta brasileiro do Romantismo (da Primeira Geração ou Geração Indianista).

**Essa epígrafe é uma citação, com cortes, da primeira estrofe do poema "Mignon", do escritor e pensador alemão Goethe. Tradução:

"Conheces o país onde os limoeiros sempre estão em flor?
Nas verdes folhas, áureas laranjas brilham em ardor,
Conheces bem esse lugar? – Lá, lá!
Queria eu... estar!"

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